O que é escrever bem?
à primeira vista, a resposta não nos parece
difícil. Pela história que acabamos de ler, caro leitor, poderíamos dizer que
escrever bem é... não escrever como o nosso pobre gerente, isto é, não cometer
as falhas que a implacável secretária apontou no famoso bilhete. Assim,
deveríamos: a) obedecer às regras gramaticais, evitando erros de sintaxe, de
pontuação, de ortografia etc; b) procurar a clareza, evitando palavras e frases
obscuras ou de duplo sentido; c) agradar o leitor, empregando expressões
elegantes e fugindo de um estilo muito seco.
Pelo visto, não haveria mais segredos para quem quer redigir bem! Bastaria evitarmos erros gramaticais, falta de clareza, deselegância e... pronto! Estariam resolvidos os problemas da boa redação!
Mas... estariam mesmo? Seriam
estas as únicas falhas que devemos evitar? E seriam estes os únicos tropeços do
gerente? Parece que não. Se examinarmos bem a desastrada história do gerente
apressado, veremos outros tropeços e acidentes que podem prejudicar, irremediavelmente,
a qualidade de uma redação. Para fugir de tais 'acidentes, é preciso conhecer
os principais segredos da comunicação escrita. Quais seriam eles? Vamos
descobri-los, analisando cuidadosamente as causas dos tropeços mais perigosos
ocorridos cm nossa historinha.
Três tropeços e três segredos.
Primeiro tropeço:
bilhete errado => resposta errada
Vamos focalizar,
inicialmente, o momento cm que o gerente diz:
"(...) Será que eu escrevo tão mal assim? Meu bilhete está
tão claro, tão simples..."
Puro engano: o bilhete não
foi nem claro nem simples. Pelo contrário, foi obscuro e complicado. — Como
podemos saber disto com tanta certeza? — poderia perguntar o leitor. Bem, é
fácil. Basta observar o resultado, ou melhor, basta verificar como a secretária
reagiu ou respondeu ao pedido feito pelo gerente: em vez de
comprar a passagem no trem das 8 h da noite, ela, simplesmente, foi à estação
ferroviária, à noite, e solicitou a reserva de um lugar no trem das 8 h da
manhã. Esta resposta não correspondia à idéia que estava na cabeça do gerente,
conforme as suas próprias palavras:
"(...) eu só pedi uma passagem no trem das 8 para o Rio e
veja o que você me aprontou!"
A secretária aprontou, portanto
produziu uma resposta errada.
Aí está exatamente /o
primeiro acidente perigoso: o gerente está convencido de que foi claro e
simples, quando, na verdade, a resposta "errada' pode estar
indicando, antes de tudo, que, se a idéia desse gerente não chegou à cabeça da
secretária, e porque o bilhete e que está errado ou, como já dissemos, confuso
e obscuro. Isto significa, então, que, para sabermos se a nossa mensagem
escrita está correta, temos de verificar se a resposta a essa mensagem
está igualmente correta ou, melhor dizendo, se corresponde à idéia que tínhamos
na cabeça e queríamos transmitir ao leitor. Acabamos de detectar um primeiro
segredo básico para a comunicação escrita. Vamos a ele.
Primeiro segredo:
mensagem correta => resposta correta
A análise do primeiro
acidente permite-nos afirmar que:
a) escrever bem implica necessariamente
a obtenção de uma resposta correta;
b) resposta correta é aquela
que corresponde à idéia que temos em mente e desejamos passar ao leitor.
Este primeiro segredo já
aponta para uma das funções essenciais da comunicação escrita, a saber: provocar
uma reação ou resposta. É o que, aliás, fica bem claro em nossa
historinha, pois, afinal de contas, para que o gerente escreveu o bilhete?
Seria para demonstrar os seus conhecimentos de gramática, de pontuação, de
ortografia, de vocabulário claro e elegante? Talvez, mas não obrigatoriamente.
Parece evidente que o. gerente escreveu o bilhete para, sobretudo, obter, da
sua secretária, alguma resposta a uma determinada idéia ou necessidade;
tal resposta pode consistir num serviço, numa tarefa, enfim, numa ajuda ou
colaboração.
Mas... escrever um bilhete para obter uma
colaboração... por quê? — Será que o próprio gerente não poderia, ele mesmo,
comprar a sua passagem de trem? — poderia perguntar um minucioso e supercurioso
leitor.
Ocorre que, se esse mesmo
leitor observar bem o comportamento das pessoas, de um modo geral, vai perceber
facilmente que, com muita freqüência, precisamos da colaboração dos outros para
resolver os nossos problemas e, vice-versa, os outros também precisam da nossa
colaboração. É que não podemos fazer tudo sozinhos: necessitamos da colaboração
da sociedade para atender às nossas necessidades físicas, psicológicas e
sociais. Para sobreviver, o ser humano depende forçosamente da
colaboração de seus semelhantes.
E como obter essa
colaboração? Afinal, ninguém é obrigado a adivinhar quais são os nossos
pensamentos, desejos, projetos, problemas, necessidades etc. Nós é que devemos
transmitir aos outros as idéias e necessidades que há em nossa mente. E isto se
faz pela comunicação escrita, pela comunicação oral, visual, enfim por todos os
tipos de comunicação humana.
Em suma, para obtermos a
colaboração ou a resposta necessária à nossa sobrevivência, devemos comunicar
as nossas idéias, desejos ou necessidades aos nossos semelhantes, estimulando-os
a produzir a resposta que satisfaça exatamente a essas idéias ou necessidades.
Assim, na medida em que pode propiciar respostas necessárias à sobrevivência, é
claro que a comunicação desempenha uma função vital para o ser humano. Comunicar
bem ou, em nosso caso, escrever bem não é luxo, nem exibicionismo,
nem ostentação esnobe de conhecimentos gramaticais. Escrever bem e uma
questão de sobrevivência.
Em nossa história, veja o
leitor, então, como foi grave o primeiro tropeço do gerente: não produzindo a
resposta correta ou esperada, o bilhete não funcionou, pois desatendeu a
esta função básica da comunicação, que é justamente a de gerar respostas.
Infelizmente não é apenas o gerente que comete esta falha. Muitas vezes, nós
estamos absolutamente certos de que fomos claros em nossos recados, bilhetes,
cartas, memorandos, ofícios, circulares ou relatórios, sem nos preocuparmos
muito com as respostas, produzidas pelos leitores. Triste ilusão! Se
acompanharmos o fluxo da comunicação e verificarmos a reação do leitor,
teremos, talvez, a triste surpresa ou a amarga decepção de constatar que a
resposta foi bem diferente da que esperávamos ou, pior ainda, que não houve
resposta alguma. A carta, a circular ou o relatório, que julgávamos tão claros,
foram sepultados numa gaveta ou... jogados na cesta de lixo! A resposta
"incorreta" ou a ausência de resposta. indicam que a comunicação
escrita não funcionou, não foi eficaz e
caiu, portanto, no vazio (ou no lixo!). Resumindo, o primeiro segredo da
comunicação escrita é constituído dos seguintes princípios:
I) Toda comunicação escrita
deve gerar uma resposta a uma determinada idéia ou necessidade que temos
em mente.
II) A comunicação escrita
será correta e eficaz se produzir uma resposta igualmente correta.
III) Resposta correta é a que
esperamos, isto é, aquela que corresponde à idéia ou necessidade que temos em
mente.
IV) Para avaliarmos a
correção e a eficácia de uma comunicação escrita, temos de verificar sempre se:
a) houve uma resposta;
b) a resposta corresponde à idéia
ou necessidade que queremos passar ao leitor.
Esquematizando, temos:
A partir destes princípios, o leitor pode
concluir que não adianta escrever bonito e conforme as regrinhas gramaticais,
se a idéia que temos na cabeça não chegar aos outros.
— Ei, espere aí! Por que é
que temos de bolar a nossa idéia na cabeça das outras pessoas? Será que elas
são tão idiotas que não conseguem "descolar" os nossos pensamentos? —
poderia protestar o nosso leitor supercurioso. Para responder à sua
intervenção, vamos ao segundo tropeço da história.
Segundo tropeço: uma idéia clara e brilhante, mas só na cabeça do autor!
As pessoas se queixam, muitas
vezes, de que, embora tenham idéias claras, lógicas e até brilhantes, recebem
de volta respostas incorretas e cheias de erros. Eis aí um perigoso acidente de
percurso no processo comunicativo: por mais claro, lógico e brilhante que
julgamos ser o pensamento elaborado em nossa mente, ocorre que, em muitas
comunicações escritas, não conseguimos transmitir tal pensamento ao leitor. É o
que, aliás, observa a secretária Maria:
"(...) o senhor não conseguiu passar essa idéia para a minha
cabeça, porque, pelo seu bilhete, eu entendi outra coisa, completamente
diferente da que o senhor tinha na cabeça."
Ora, se o pensamento não
chegou à secretária, não, se poderia esperar que ela produzisse a resposta
correta. O gerente, entretanto, não percebe essa falha e continua aconchegado
na ilusão de que a secretária, tendo captado com clareza o seu pensamento, vai
cumprir direitinho a tarefa que lhe foi, confiada:
"Estava tudo tão claro, tão óbvio na minha cabeça... será que
a sua cabeça é assim tão diferente da minha...?"
Este é o segundo grande
tropeço do gerente, pois certamente há grandes diferenças entre a sua mente e a
da secretária. Vamos examinar de um modo bem objetivo tais diferenças,
observando esta "radiografia" das duas cabeças:
Como se vê, são duas cabeças
diferentes, com diferentes idéias, o que não é uma grande novidade. Não há, na
verdade, duas cabeças iguais neste mundo: cada mente tem uma organização de
idéias que é particular e própria a cada indivíduo. A "radiografia"
da nossa historinha revela que as idéias do gerente não chegaram à cabeça da
secretária, o que explica a resposta "incorreta". O gerente só
poderia esperar uma resposta correta, se, antes de tudo, conseguisse colocar as suas idéias na
mente da secretária, ou melhor; torná-las conhecidas da secretária. Esta
deveria ser, pelo menos, uma das funções do bilhete. E aqui reside justamente o
segundo segredo da comunicação escrita.
Segundo segredo:
escrever bem = comunicar bem = tornar comum
Considerando as diferenças de
organização mental, de indivíduo para indivíduo, vemos que o nosso pensamento
não e tão transparente quanto se poderia imaginar, nem será tão obviamente
captado pelas outras pessoas. Devemos, portanto, colocar com exatidão o nosso
pensamento na cabeça dos outros, sob pena de ninguém saber o que se passa cm
nossa mente e quais seriam as nossas idéias, desejos, necessidades, projetos
etc. Só assim é que os outros seres poderão colaborar conosco, produzindo a
resposta que esperamos. Eis, pois, o segundo segredo da comunicação escrita: escrever
bem é tornar o nosso pensamento conhecido dos outros, ou,
melhor ainda, escrever bem é tornar comum aos outros o nosso
pensamento. Esta necessidade de tornar comum responde a outra função básica da
comunicação e, para que se tenha uma idéia de como é essencial esta função,
basta lembrar que os termos comunicar e comunicação provêm
justamente da palavra comum:
Na historinha, a
"radiografia" mostrou que o bilhete não preencheu esta função básica,
pois não tornou comum à secretária o pensamento do gerente:
Se o gerente, entretanto, se
preocupasse em redigir um bilhete que passasse, com exatidão, o seu pensamento
para a mente da secretária, neste caso, então, a comunicação escrita cumpriria
a sua função básica, isto é, tornar comum aos outros as nossas idéias. E
ficaria assim a "radiografia':
Agora, um leitor atento
poderia, com razão, replicar: "Bom, suponhamos que eu escreva um bilhete
bem certinho e coloque claramente a minha idéia na cabeça da pessoa que me lê,
comunicando ou tornando comum o meu pensamento. Tudo bem. Mas... e, se depois
de tudo, o outro não quiser produzir a resposta que eu estou esperando?"
Nós diríamos que essa objeção é muito oportuna: não basta comunicar ou tornar
comum as nossas idéias; é preciso que o destinatário da nossa comunicação seja
estimulado ou persuadido a produzir a resposta. Se não nos preocuparmos com
essa motivação, poderemos levar um tombo feio. Este foi exatamente o terceiro
tropeço da nossa história, já tão acidentada.
Terceiro tropeço: "Com vinagre não se apanham moscas!"
Este provérbio popular contem
uma bela lição para quem quer escrever bem: não é com maus modos, com secura ou
aspereza que vamos atrair a simpatia dos outros. Mas o gerente não parece
preocupado cm atrair a simpatia de ninguém; o seu recado é meio azedo e cheira
a vinagre, tanto assim é que a secretária reclama:
"Da próxima vez, se o senhor quiser me deixar bem contente, o
senhor poderia colocar um por favor ou um muito obrigado, sabe,
alguma palavrinha assim, só pra me agradar. A gente faz o serviço com mais boa
vontade. Quer ver como ficaria mais bonito?..."
Para ficar mais motivada, a
secretária gostaria que o gerente tivesse temperado o bilhete com algumas gotas
de mel (em vez de vinagre!), mas não foi bem isso que ele fez e...daí o
terceiro tropeço. Para evitar esse acidente, tão prejudicial à comunicação
escrita, aqui vai o terceiro segredo.
Terceiro segredo:
escrever bem = persuadir
A reclamação da secretária
nos revela que, além de passar as nossas idéias para a mente das pessoas de
cuja colaboração necessitamos, a comunicação escrita deve conter alguns
atrativos para motivar ou persuadir essas mesmas pessoas a colaborarem conosco.
Esta deve ser uma preocupação permanente: é sempre oportuno nos indagarmos se o
leitor de nossas mensagens está convencido ou persuadido da necessidade de
produzir a resposta que lhe solicitamos; Por isso é que a comunicação escrita
deve conter sempre alguns elementos persuasivos ou "lubrificantes"
que suavizem a transmissão dos nossos pensamentos e provoquem a simpatia dos
nossos leitores, isto c, dos indivíduos a quem solicitamos uma resposta. Assim,
em vez de áspera ou seca, a comunicação escrita deve ser agradável, suave e persuasiva.
Por sinal, é bom lembrar também que os termos suave, persuadir, persuasão e persuasivo
provem da mesma raiz latina SVAD — “doce, doçura” e pertencem à mesma
família de palavras.
Esta relação com a idéia de
"doçura" ou "suavidade" reforça ainda mais a recomendação
de que a comunicação escrita (bem como todos os outros tipos de comunicação, é
claro!) deve ser agradável e ter uma função "lubrificante" e
persuasiva, a fim de que as pessoas, a quem solicitamos a colaboração, sejam
estimuladas a produzir a resposta de que necessitamos. A comunicação escrita
tem, portanto, uma terceira função: a persuasão. Escrever bem é, também,
persuadir.
O tripé da comunicação escrita
Agora que o caro leitor ficou
conhecendo os segredos da comunicação escrita, podemos dizer que, para escrever
bem, temos de atender a três funções básicas: produzir uma resposta, tornar o
pensamento comum aos outros e persuadir. Se não atendermos, primordialmente, a
essas três funções, pouco adiantará escrevermos bonito e "certinho",
como rezam as regras gramaticais. O conhecimento da gramática é apenas um dos
meios para chegarmos a uma comunicação correta, mas não é um fim em si mesmo.
Ao escrever, não devemos ficar obcecados em demonstrar erudição e cultura
gramatical. Se quisermos escrever bem, isto é, de modo eficaz, devemos dirigir
a nossa preocupação para as três funções básicas: produzir resposta, tornar
comum e persuadir.
Resumindo, diremos que a
comunicação escrita eficaz está apoiada num tripé, como se pode ver no
esquema abaixo:
E se um dos pés escorregar?
Bem, aí o tripé desmonta e... lá vêm os desastres da comunicação! Como
impedir o escorrerão? Vamos ver.
Como segurar o tripé?
Ficou claro que escrever
bem deve repousar sobre o firme e intacto tripé das três funções básicas da
comunicação.
Na prática, entretanto,
haverá sempre interferências que poderão abalar um dos pés ou o tripé
inteiro, prejudicando a produção da resposta esperada ou desejada. Existem, no
mínimo, três tipos de interferências:
a), interferência física: dificuldade
visual, má grafia de palavras, cansaço, falta de iluminação etc;
b) interferência cultural:
palavras ou frases complicada ou ambíguas, diferenças de nível social etc;
c) interferência
psicológica: agressividade, aspereza, antipatia etc.
Na historinha do Capítulo 1,
várias interferências, dentre esses três tipos, desviaram a secretária da
resposta que o gerente esperava; é possível detectar, facilmente, interferências
culturais (palavras ou frases ambíguas, erros de pontuação etc.) e interferências
psicológicas (secura, falia de expressões persuasivas etc). E, se quiséssemos
analisar o caso do ponto de vista da comunicação oral, veríamos que a resposta
"incorreta" da secretária acabou por gerar novas interferências como
a impaciência e o desespero do gerente, que levariam a outros desdobramentos
prejudiciais à eficácia da comunicação. Pois bem; denominamos ruídos as
interferências de ordem física, cultural ou psicológica que podem:
a) provocar o desabamento do
tripé da comunicação;
b) levar o destinatário da
mensagem a produzir uma resposta "incorreta", isto é, não esperada ou
não desejada pelo autor da mensagem.
Estaríamos, então, diante da
seguinte situação ameaçadora:
muito bom material
ResponderExcluirQuais são as palavras chave do texto ?
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